Tudo Sobrestado
- Cláudia Goulart Alves de Mello
- 2 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de abr.
Pensamentos para Natália
Depois da tragédia (da perda), o fluir da minha vida mudou. Sinto que existo, enquanto outra realidade se constrói. Vou andando e seguindo (quase vivendo), enquanto você não chega, enquanto não tenho você de volta. Tudo é provisório.
Existe esse mundo paralelo que me habita, permanente e presente, como se (em algum momento) eu fosse saltar de onde estou para lá, para essa outra realidade, aonde tudo se soluciona, onde há outro desfecho e resolução.
Deste lado da realidade, eu aceito o que é, sofro, sinto dor. Do outro, existe o que poderia ter sido e mais – há o que será.
Mundos internos fragmentados, eu em fragmentos. Há partes de mim em vidas diferentes, caminhando por estradas que desconheço.
Quando se tem filho pequeno, é comum, enquanto eles estão na escola ou na casa de um coleguinha, aproveitarmos para fazer tudo o que (ao chegarem) não nos deixarão realizar com tranquilidade. Adiantamos o serviço, organizamos a vida, para quando eles retornarem.
É assim que me sinto. Adiantando o serviço, para quando ela chegar.
Tenho compartimentos de loucura, dentro de mim. Quartos fechados (cheios de baús), porões, corredores escuros. É preciso luz.
Há mais poeira do que consigo limpar. Teias, o ar é pesado e úmido, não tenho onde sentar.
Como lidar com esses mundos internos?
Queria muito fazer uma boa faxina, abrir janelas e portas (deixar o vento entrar), arrastar móveis, abrir caixas, tirar o lixo. Limpar, entender, arrumar. Mas eu sequer sei aonde estou... Tudo é penumbra, as velas já se apagaram (há muito tempo).
Conexões. É preciso compreender a relação entre eventos (ao longo da vida) e, enquanto estamos vivendo, isso é muito difícil e restrito. Não há visão panorâmica, não temos perspectiva. Como solucionar sem conhecer, sem compreender?
Prosseguir no escuro é um ato de fé, desanimador, cansativo. Por outro lado, investigar motiva. Esperar para ver o que surge, também.
E, por não conhecer outra alternativa, sigo construindo realidades em mundos diversos, ora aqui ora ali, alternando presença (cá e lá). Nada do que faço parece ter um propósito consistente, tudo aparenta ser desconexo, aleatório, tendo fim em si mesmo.
As coisas são reais, mas também são frágeis. A realidade parece tênue, nebulosa, pronta para ser desfeita com qualquer sopro mais forte. Discernir aonde estou é confuso, porque esse fluir é permanente, constante. Estou sempre indo... vindo, oscilando, flutuando, respirando. Mas, se penso em respirar, não sei como.
O véu entre mundos não é definitivo, há transparências e sobreposições. Vemos ou intuímos ou percebemos as oscilações, as interferências, as vibrações, as frequências que se misturam e embaralham. Não são mundos, parece ser uma coisa só, que se manifesta em bilhões de sinais, ruídos, brilhos, sombras, zunidos.
Nada faz sentido (tudo faz sentido). As coisas existem em si, mas se interconectam todas.
Posso sentir energia, informação, consciência e tempo se movendo, pulsando, evoluindo seus movimentos, se expandindo e contraindo, se propagando. Sinto essa entidade gigante me envolvendo, conduzindo, levando.
As portas da minha percepção foram abertas por um trauma. Curioso. A gente olha para o abismo e “ele nos encara de volta”. No processo, embora o medo seja grande, a verdade (ao se levantar) parece mais forte. Outro passo, só mais uma olhadinha... e vamos avançando.
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