Mais Dois Anos Com Você
- Cláudia Goulart Alves de Mello
- 3 de mai.
- 5 min de leitura
Pensamentos para Natália
Em março passado, no dia em que completava dois anos que você havia sido internada (e saído de casa para não voltar), eu fiz um post a respeito. Alguém leu e disse que havia mesmo me achado muito triste: era a data!
Achei graça. Na verdade, não faz a menor diferença.
Nunca fiquei mais triste porque seria o seu aniversário, porque era Natal ou porque completou um ano da sua morte. Um ano, dois anos, dez anos... A dor é mesma de todos os dias, de todos os momentos. Algumas lembranças (é claro) se relacionam às datas (e até às emoções), mas o sentimento de tristeza é o mesmo – constante, permanente, imutável.
No Natal, montei uma árvore para você; no seu aniversário, cantamos parabéns com seu bolo favorito! No Dia das Crianças, Kinder Ovo para você abrir... (risos) e, na Páscoa, coelhinho da Lindt. Há sempre uma florzinha, uma pedrinha, alguma coisa para entregar. O simbólico existe, a alegria existe, com ou sem lágrimas.
Escuto pessoas enlutadas falando que esse ou aquele período do ano (ou do dia) é mais ou menos difícil. Fico feliz por elas, que têm algum respiro. Comigo não funciona assim. Sua ausência é o centro da minha vida (e isso não é uma queixa, é apenas um fato). Não quero que seja diferente, não quero que se modifique ou passe ou acabe. Isso não me preocupa.
Compreendo que os outros não possam avaliar o que eu sinto, porque o sofrimento é muito pessoal. Só eu conheço os labirintos e becos sem saída que existem nos meus mundos internos, ninguém mais. Cada um só sabe da própria dor, e só compreende a dor do outro, na medida em que compreende a sua.
Para as mães, do ponto de vista biológico (e também sob alguns aspectos do psiquismo), um filho é uma parte sua que continua crescendo e se desenvolvendo, fora do corpo físico.
O cordão umbilical, depois de cortado, tem sua parte interna transformada num ligamento do fígado (salvo engano, eu me lembro de ter lido a respeito), mas a parte externa também prossegue, formando um laço energético entre a mãe e a criança, que perdura por toda a vida (e além dela). Eu, portanto, literalmente morri com você, estávamos ligadas biológica e energeticamente. Minha morte também foi física.
A dor que eu sinto tem muitas dimensões e complexidades, que ninguém mais pode compreender. Dói no corpo e dói na alma, alcança lugares que eu não sabia existirem em mim.
Neste mundo, aprendemos (desde sempre) a fugir do desconforto e a não enfrentar o sofrimento. Crescemos e nos construímos assim, com todas as ferramentas para agravar o que a vida traz, anestesiados.
Buda estava certo ao falar do apego e da aversão como venenos da mente. Se nos apegamos, seja ao que for, vamos sofrer, porque a natureza deste mundo é impermanente, e tudo muda, o tempo todo.
Por outro lado, se sentimos aversão e rejeitamos coisas que fazem parte da vida (e fugimos), também sofreremos, porque as resistências infantis já são o nosso choro sobre o “leite derramado”. Quando nos desesperamos (no ápice da resistência), a realidade já se impôs. Lembra do ditado, “aceita que dói menos”? Pois é.
É preciso fluir com a vida e aceitar as oscilações do pêndulo. Quando a dor vier, temos que aceitá-la, para poder atravessá-la. Quanto mais resistência (quanto maior a aversão), mais intenso o sofrimento. Quanto mais rápido se aprende, mais rápido se avança. Comigo, tem sido assim.
Foi preciso sair da anestesia para compreender a vida e os meus processos. O sofrimento também é mestre e caminho.
Penso em você todos os minutos da minha existência. Sinto você, a cada instante. Já era desse jeito, desde do seu nascimento, mas havia brechas, outros espaços, onde eu frequentemente me perdia nas tolices da ignorância... (risos). Agora, a sua ausência ocupa tudo.
Dormimos e acordamos juntas. Tomamos café, conversamos. Ouço você respondendo às bobagens que faço, dando seus palpites (sempre pertinente!).
De momento a momento, eu me lembro das nossas vidas, dos muitos erros, de alguns acertos. Reflito, pensando no que eu deveria ter feito diferente, se tivesse mais consciência, fosse menos adoecida ou melhor aparelhada. Hoje, eu me sinto um pouco mais compreendida (por mim mesma), um pouco mais acima do vício da culpa, e a responsabilidade já começa a dar o tom do aprendizado.
Há pausas. Vejo momentos deliciosos, decisões assertivas, sentimentos plenos, vida compartilhada, cumplicidade, parceria, felicidade. Seu humor me traz sorrisos todos os dias!
Na calma, andamos juntas. Nos momentos de desespero, quando vejo seu rosto e não consigo crer que você não está mais ao meu alcance, peço a Deus que a afaste da minha dor, que a mantenha protegida (distante), em paz, envolta em luz e amor, bem longe dos meus tormentos.
A dor é avassaladora. Muitas vezes, não consigo respirar. Mas, aos poucos, o corpo responde e o ar volta a circular.
Existem muitas sutilezas em tudo isso. O sofrimento expande a nossa consciência, traz percepções inéditas da existência – das coisas grandes às pequeninas. Há Deus e beleza em praticamente tudo!
Saber que este é o caminho, que esta é a forma do viver (agora), abre um espaço pacífico para o meu existir. Nesta esfera, consigo avançar por locais desconhecidos, mas que me trazem algum alento. E você está comigo, nos avanços e também nos obstáculos, nas descobertas e nesse novo olhar sobre a vida e a morte.
Descobrir, aprender, compreender, evoluir, ampliar a consciência – é o que viemos fazer aqui na Terra. O resultado desse processo se chama amor. O amor é a energia máxima, que move todo o universo, é a forma mais elevada de consciência. E você foi a principal porta para o amor em minha vida, você é a minha fonte!
Ano passado, achei que UM ANO DA SUA MORTE seria um marco, até fiz alguns rituais e raspei a cabeça, tudo isso me ajudou a elaborar a experiência. Mas, aos poucos, compreendi que meus cabelos não voltariam a crescer e que o processo era a própria vida.
Assim as coisas são, para mim. Dois anos, dois dias, dois minutos, não importa. Não posso parar o tempo, não tenho controle sobre quase nada.
O tempo não é linear e nós não o compreendemos ainda. Sabemos pouco sobre tudo, precisamos nos esforçar muito. Não tenho como impedi-lo, ele segue, é o condutor das nossas narrativas, é no tempo que nós existimos (neste plano) e ele sempre avança, impiedoso…
À esta altura, imagino que você me diria: - “paz a cada passo, um passo de cada vez, mamãe!”
No mais, a gente não ama o ser amado só no seu aniversário, não é mesmo? Amamos todos os dias! Por que com a dor (e a saudade) seria diferente?
Eu vou seguindo – como já disse, aguardando o nosso reencontro. Quase diariamente caminhamos no parque e, em meio àquelas curvas, sempre imagino que, um dia, ao virar uma delas, encontrarei você... me esperando.
Tenho essa fantasia de que, numa hora qualquer (sem aviso algum), sua voz vai me surpreender: - "mãe, vamos!"
Enquanto isso, quero que você continue dando os seus passos de paz por essas belas, inusitadas e luminosas estradas, confiante e plena, certa de que é (sempre foi e será) imensamente amada.

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